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quinta-feira, 21 de abril de 2016

Por onde começar?


Que se comece sempre pelo primeiro livro que te pegar de jeito
Na semana passada recebi um pedido que volta e meia me fazem. Um pai, percebendo germinar o interesse de seu filho adolescente pela leitura, me pergunta se eu poderia lhe indicar algum livro. E complementa que gostaria de introduzir o filho ao mundo da filosofia, mas que os livros de filosofia lhe parecem difíceis demais. Chegou a presentear o filho com uma introdução à filosofia, mas a leitura não "pegou".Afinal, "por onde começar?", é o que no limite pergunta o pai. Trata-se de uma bela questão, uma questão, pode-se dizer, filosófica: a sua mera formulação já situa o formulador às portas da filosofia. Essa não apenas começa historicamente com uma pergunta espantada — o célebre thauma de Aristóteles — mas recomeça a cada vez com uma questão. Uma questão, por sua vez, não é uma mera pergunta. É uma pergunta em estado avançado para trás. É uma pergunta que começa por desnaturalizar as respostas automáticas. E é por essa espécie de “limpeza da situação conceitual”,parafraseando Valéry, que recomeça sempre a filosofia. Geralmente, um filósofo, quando perguntado, não responde à pergunta, e sim pergunta a pergunta.

domingo, 17 de abril de 2016

Os limites do lulismo

É preciso um aumento de impostos sobre aqueles que que têm lucros milionários no sistema financeiro

Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21. Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média". No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população. O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.


quarta-feira, 6 de abril de 2016

Bebês para abate

Horrorizado? Não esteja. Terminar com a vida de um recém-nascido indesejado não é uma originalidade 

Se um feto pode ser abortado, por que não um recém-nascido? Boa pergunta. Perigosa pergunta. Os filósofos Alberto Giubilini e Francesca Minerva tentaram responder positivamente a ela no reputado "Journal of Medical Ethics". A Europa estremeceu de horror. Pior: choveram ameaças de morte sobre os pobres pesquisadores. Sem razão. Li o ensaio ("After-Abortion: Why Should the Baby Live?"; aborto pós-nascimento: por que deve o bebê viver?) e aplaudo o rigor científico do mesmo. Que parte de premissas razoáveis: em muitas sociedades do Ocidente, o aborto é livre por mera vontade dos pais. Tradução: não é preciso invocar nenhuma razão médica para terminar a gravidez. Basta querer - e fazer. Essa autonomia radical, que é a base da posição progressista sobre o assunto, deve ser extensível ao recém-nascido, diz o ensaio, sobretudo quando há doenças ou deformações que não foram detectadas durante a gestação. Exemplos? Vários.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Maquiavel e a mulher mais feia do mundo

Ele foi um amante apaixonado, caprichoso e volúvel, a despeito de ter sido teórico extremamente racional

A carta na qual o autor de O Príncipe conta como, "cego pela carência conjugal", foi "aos finalmente" com uma dama cuja "boca parecia a de Lorenzo de Médici, mas era torta para um lado, e desse lado escorria uma baba porque, não tendo nenhum dente, ela não podia conter a saliva". Nicolau Maquiavel era um devasso. Como o adjetivo que leva seu nome, maquiavélico, é sinônimo de duplicidade e má-fé, devasso não é uma novidade para defini-lo, mas soa como tal. Ao referendar o desequilíbrio entre moral e política na esfera pública, a amoralidade de Maquiavel não só inaugura a modernidade - ela é o coração da sua esfera íntima, de sua vida amorosa. Viajante assíduo, por obra do trabalho diplomático, de dia Maquiavel negociava com príncipes, nobres e cortesãos. À noite, frequentava botequins e rufiões, bordéis e cortesãs.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Filosofar em alemão


Livro reúne ensaios sobre pensadores de expressão alemã que influenciaram vários campos do saber no Brasil

A Alemanha, hoje no centro de todos os debates sobre a crise na União Europeia, na posição de potência responsável pela superação de parte dos problemas da Zona do Euro, sempre foi um país de destaque no concerto e desconcerto das nações. E por razões diversas. No século 20, está na origem dos dois conflitos mundiais, da divisão do mundo em blocos que marcou a guerra fria, do fim do comunismo com a queda do Muro de Berlim. O que é história, política e economia tem tradução no pensamento. A Alemanha se tornou também um polo irradiador de reflexões e de estilo de pensamento no século 20, que trazem junto uma tradição secular, seja no campo da filosofia, do direito, da religião ou das ciências da natureza. Se a influência da cultura francesa foi determinante no estilo do pensamento acadêmico brasileiro, nem por isso as marcas da filosofia alemã são menos visíveis, incorporando-se ainda nesse universo as questões da estética e da política.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Sem tesão, a vastidão

Eis o dilema que a medicina tem para oferecer a um homem: sexo ou cabelo? 


Anos atrás, tive o meu primeiro contato com a mortalidade. E a mortalidade, para um homem, começa sempre pelo telhado: durante semanas, o meu cabelo caía sem razão aparente. Acordava e ele jazia no travesseiro. Tomava ducha e ele escapava pelo ralo. Usava o pente e o pente ficava parecido com a escova do gato. Consultei um médico. Primeiro choque: o médico, um respeitável sábio em matéria dermatológica, era mais calvo do que uma bola de bilhar. O pensamento é fatal: se esse desgraçado não conseguiu salvar as suas posses, por que motivo irá salvar as minhas? O choque deu lugar à compaixão -e à boa educação: não será ofensivo pedir ajuda a alguém que já cruzou definitivamente o capilar Rubicão? Timidamente, explanei o problema que me trouxera ao consultório. O homem escutou-me, analisou as clareiras como um estratego militar e depois aconselhou ataque farmacológico imediato.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Uma vida para doentes mentais

Um cidadão responsável em nosso mundo afirma sua integridade pagando a conta do Visa


Vivemos uma vida para doentes mentais. A Romênia já nos deu Cioran, Eliade, Ionesco. Agora nos dá Matéi Visniec, e a É Realizações traduziu várias de suas peças. Entre elas, "A História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais" nos dá a conhecer um medíocre escritor, convidado a contar a história do comunismo a doentes mentais dias antes da morte de Stálin. Mas, para além do aspecto específico de uma reflexão sobre a conhecida praga do marxismo, chama atenção a reflexão sobre o mal que o autor faz em suas obras, principalmente na face contemporânea e histórica. Os romenos são grandes "filósofos do mal". Tenho um profundo preconceito por quem acha que não existe o mal. Este tipo de antropólogo de boutique que confunde relativismo cultural com discussão moral séria.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Para filósofo francês, psicanálise é 'lenda'

Autor prolífico procura desmitificar vida e obra de pensadores como Freud 


O controverso filósofo francês Michel Onfray, 53, fez na noite de quarta, na sala São Paulo, a penúltima conferência do ciclo 2012 do Fronteiras do Pensamento. Conhecido por uma filosofia que procura desmitificar pensadores como Platão e Kant, submetendo suas vidas e obras a métodos desconstrutivistas, o autor discorreu sobre um de seus livros mais recentes, "Le Crépuscule d'une Idole, l'Affabulation Freudienne" (o crepúsculo de um ídolo, a fabulação freudiana), de 2010. Na palestra intitulada "Sem Freud...", o filósofo analisou o percurso biográfico e teórico do austríaco. "A psicanálise é uma lenda. Freud acredita que a partir de suas introspecções pessoais descobriu a verdade universal do inconsciente."


sábado, 30 de janeiro de 2016

As raízes do racismo

Consideramos membros de nosso grupo mais justos, inteligentes e honestos do que integrantes de outros

Somos seres tribais que dividem o mundo em dois grupos: o "nosso" e o "deles". Esse é o início de um artigo sobre racismo publicado na revista "Science", como parte de uma seção sobre conflitos humanos, leitura que recomendo a todos. Tensões e suspeições intergrupais são responsáveis pela violência entre muçulmanos e hindus, católicos e protestantes, palestinos e judeus, brancos e negros, heterossexuais e homossexuais, corintianos e palmeirenses. Num experimento clássico dos anos 1950, psicólogos americanos levaram para um acampamento adolescentes que não se conheciam. Ao descer do ônibus, cada participante recebeu aleatoriamente uma camiseta de cor azul ou vermelha. A partir desse momento, azuis e vermelhos faziam refeições em horários diferentes, dormiam em alojamentos separados e formavam equipes adversárias em todas as brincadeiras e práticas esportivas. 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Um mundo de crédulos

Pesquisadores buscam entender as crenças no sobrenatural. Contextos culturais e familiares explicam.
 
Todo mundo conhece um caso de fantasma, geralmente contado por alguém capaz de jurar sobre a vida da própria mãe que não está inventado a história. Ou já ouviu relatos da aparição de extraterrestres que, vez por outra, resolvem raptar humanos e levá-los para suas naves espaciais. A crença no sobrenatural e no desconhecido resiste aos avanços da ciência, que, por sua vez, tenta entender por que as pessoas continuam acreditando em fatos que, do ponto de vista da razão, não fazem o menor sentido. Depois de investigar, inclusive com incursões a campo, alegados fenômenos parapsicológicos e sobrenaturais, além de ufológicos, o “papa dos céticos” Michael Shermer — colaborador da revista Scientific American e diretor da Skeptics Society, associação que reúne cientistas e leigos de todo o mundo e edita o periódico Skeptic — concluiu que essa é uma questão para a qual existem muitas respostas. Segundo ele, é preciso levar em conta fatores como influência da família, experiências educacionais, inclinações emocionais, contexto cultural, entre outros.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Contra os comissários da ignorância


A dúvida cética conservadora é filha da mais pura tradição empirista britânica

O que é conservadorismo? Tratar o pensamento político conservador ("liberal-conservative") como boçalidade da classe média é filosofia de gente que tem medo de debater ideias e gosta de séquitos babões, e não de alunos. Proponho a leitura de "Conservative Reader" (uma antologia excelente de textos clássicos), organizada pelo filósofo Russel Kirk. Segundo Kirk, o termo começou a ser usado na França pós-revolucionária. Edmund Burke, autor de "Reflexões sobre a Revolução na França" (ed. UnB, esgotado), no século 18, pai da tradição conservadora, nunca usou o termo. Tampouco outros três pensadores, também ancestrais da tradição, os escoceses David Hume e Adam Smith, ambos do século 18, e o francês Alexis de Tocqueville, do século 19.Sobre este, vale elogiar o lançamento pela Record de sua biografia, "Alexis de Tocqueville: O Profeta da Democracia", de Hugh Brogan.

domingo, 3 de janeiro de 2016

O paradigma

Teoria sobre revoluções científicas faz 50 anos


Desenvolvida pelo físico Thomas Kuhn no clássico "A Estrutura das Revoluções Científicas" (1962), a teoria de paradigmas que são compartilhados pela comunidade científica até que sejam superados tornou-se um lugar-comum em discussões intelectuais e corporativas, mas permanece brilhante e atual. Há 50 anos, a editora da Universidade de Chicago lançou um dos livros mais influentes do século 20: "A Estrutura das Revoluções Científicas", de Thomas Kuhn. Para tirar a prova, basta pensar se você já ouviu ou empregou a expressão "mudança de paradigma", provavelmente a mais usada -e abusada- nas discussões contemporâneas sobre mudança organizacional e progresso intelectual. A sacada de Kuhn surgiu da compreensão de que, se alguém deseja entender a ciência aristotélica, precisa conhecer a tradição intelectual na qual Aristóteles trabalhava. Para ele, o termo "movimento" queria dizer mudança em geral - não só a mudança de posição de um corpo, hoje.

sábado, 2 de janeiro de 2016

A esquerda venceu?


Ela mudou mais o comportamento do que a política

A esquerda venceu? A esquerda perdeu? Um balanço das últimas décadas permite argumentar numa direção e noutra. Vou propor uma distinção, para sugerir que a esquerda política perdeu, enquanto a esquerda que chamarei de comportamental venceu. As mudanças na vida pessoal - o que hoje é denominado "comportamento", termo que uso aqui por simples comodidade - foram enormes no último meio século. Na década de 1960, homossexuais eram mal vistos em quase todo o Ocidente, mulheres eram cidadãs de segunda classe, negros muitas vezes não eram sequer respeitados como cidadãos e, para resumir, quem adotasse uma postura não convencional em face da vida enfrentava dificuldades que podiam ser grandes. Os 50 anos transcorridos desde então conheceram uma mudança nas atitudes das pessoas sem precedentes na história do mundo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A ditadura do prazer


Para muitas mulheres, o sexo se tornou mais uma obrigação; e muitas preferem fingir a dizer não

Um dos dados que mais chama a atenção nas minhas pesquisas é o da insatisfação sexual. A ideia de que o desejo sexual masculino é muito maior e o feminino é mais complicado está presente nos discursos de homens e de mulheres. Uma professora de 37 anos diz: "Os homens acham que preliminares são minutos de carinhos na cama. Para mim, preliminar é tudo o que ele faz muito antes: a atenção, a delicadeza, o sorriso, a gentileza. Não adianta ser carinhoso na cama se passou o dia todo sendo agressivo, implicante ou desagradável". Uma nutricionista de 52 anos reclama: "Meu marido acha que não tenho vontade de fazer sexo por estar na menopausa. Diz que muitas mulheres têm orgasmos múltiplos e eu não tenho nenhum há tempos. Com tanto blá-blá-blá fico mesmo sem tesão". Ela diz que o filho, de 27 anos, prefere garotas de programa.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Cotas, mérito e democracia

Não obstante as críticas, as ideias de solidariedade e coesão social falaram mais alto


Desde a transição democrática, em 1985, a sociedade brasileira tornou-se melhor. Não tanto no plano econômico, onde o progresso foi modesto, mas nos planos social e político, onde os avanços foram grandes. Somos ainda uma sociedade injusta, mas a desigualdade diminuiu; somos ainda uma sociedade autoritária, mas agora os eleitores pobres têm voz e são respeitados; somos ainda uma sociedade elitista, mas nos demos conta desse fato, e estamos tentando construir, mais do que um Estado democrático, também uma sociedade democrática. Talvez a demonstração mais extraordinária dessa mudança de atitude foi a aprovação no Congresso Nacional e a sanção pela presidente Dilma da lei que estabeleceu uma cota geral de 50% das vagas nas universidades públicas e escolas técnicas federais para os estudantes das escolas públicas oriundos de famílias com até um salário mínimo e meio per capita.

domingo, 4 de outubro de 2015

De volta para o passado

Os remorsos são injustos: esquecemos as razões que no passado nos fizeram decidir


adoraria que fosse possível viajar no tempo e voltar para épocas anteriores de minha vida. Ingenuamente, imagino que, em vários momentos do passado, eu teria me beneficiado de algo que sei só agora. Quem melhor do que eu aos 50 ou 60 anos para aconselhar uma versão mais jovem de mim, a de dez, 20, 30 anos atrás? Hoje, enfim, meço as consequências de algumas escolhas antigas. Sei (ou imagino) que teria sido melhor me separar logo daquela pessoa e nunca me afastar de outra, que era insubstituível e que eu perdi; sei (ou imagino) que poderia ter evitado riscos inúteis e me exposto a outros dos quais fugi; sei (ou imagino) que deveria ter insistido quando desisti e desistido quando insisti. E, para quem pode viajar no tempo, nunca é tarde para salvar Inês.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Guerras de circuncisão



Não dá para interferir a todo instante com a mão pesada e impessoal do Estado

Na Europa e nos EUA, jornais não cessam de debater a circuncisão. O pretexto é a decisão de uma corte alemã de considerar que a realização do procedimento por razões não médicas constitui uma forma de lesão corporal sendo, portanto, punível criminalmente. A sentença revoltou as comunidades judaica e islâmica da Alemanha. De minha parte, como bom judeu ateu, poupei meus filhos desse cruento ritual primitivo, mas, diferentemente de certos grupos religiosos, não pretendo que minhas escolhas pessoais sejam universalizáveis. Os militantes anticircuncisão mais aguerridos a equiparam à excisão do clitóris, mas a comparação é enganosa. A clitorectomia tem o objetivo de fazer com que a mulher não sinta prazer no ato sexual. As repercussões da circuncisão masculina são bem menos dramáticas. 

sábado, 19 de setembro de 2015

Egoísta e solidário


Os bons não estão só de um lado, nem os maus. O ser humano é complexo, mas vale a pena

Gente existe que pensa que tem o rei no umbigo. Anda pela vida como se fosse o maioral, um deus a quem todos devem reverência. Pisa em quem estiver à frente, o que importa é que seus desejos sejam satisfeitos. Houve um tempo em que pensei que isso fosse exclusividade do capitalismo, que exacerba o individualismo e a competição desenfreada. Aprendi que não importa o nome do regime e que por baixo de discursos de desprendimento e compreensão coletiva se escondem farsas, mentiras e violência. É fácil amar a humanidade, essa abstração presente nas palavras dos sinceros e dos demagogos. Difícil é, no dia a dia, no cara a cara com as pessoas, respeitar de fato as pessoas com quem convivemos nos lugares em que realmente habitamos: a casa, a rua, nossa cidade.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Cérebro de macaco


Consumidores das classes AB creem que produtos deveriam vir em versões para rico e pobre

O delírio do consumismo nos transforma em monstros di­fíceis de confrontar. Quem já não se surpreendeu na liquida­ção da loja X, Y ou Z da Champs-Ely­sées em luta corporal contra o oriental ou russo por um artigo de roupa pelo qual depois percebe que não teria valido a pena perder a vi­da? Pois é, eu também nunca me colhi nesse tipo de situação degra­dante, claro que não, só estou di­zendo. E quem nunca voltou com hérnia dos EUA de tanto carregar sacola? Também não é o meu caso, aliás nem sei de onde me veio a imagem. E essa agora do programa do Jimmy Kimmel, na semana de lan­çamento do iPhone 5, em que, a fim de testar o grau de alucinação dos consumidores, jogou na mão do sujeito que passava na rua um iPhone 4 fingindo ser o modelo no­vo (bit.ly/QTt6yU). As reações foram as mais engra­çadas: "É mais leve", "Mais rápido", "A tela é maior". É da natureza hu­mana fazer de tudo pelo brinquedi­nho novo, até se iludir, não?

terça-feira, 1 de setembro de 2015

A vitória do capitalismo

Para jornalista, "nenhum outro arranjo social produziu ganhos tão sustentáveis"



Com formação em literatura e economia, a jornalista Sylvia Nasar investiga em livro dois séculos de história do pensamento econômico. Em entrevista, ela conta que se assustou ao descobrir que Marx não entendia conceitos básicos de economia e lamenta que seja mais lembrado que nomes como Alfred Marshall. A lista de piores livros já escritos, para a jornalista americana Sylvia Nasar, autora do best-seller "Uma Mente Brilhante", inclui "O Capital", de Karl Marx, ao lado de "Minha Luta", de Adolf Hitler. A falta de carinho em relação ao teórico do marxismo resultou do susto que Nasar, com formação em literatura e economia, tomou ao se aprofundar em sua obra. "Venho de um ambiente acadêmico marxista, então fiquei chocada quando percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros", diz à Folha, em entrevista por telefone, de Nova York. Nos últimos anos, Nasar organizou quase dois séculos de historia do pensamento econômico na obra *"A Imaginação Econômica" [trad. Carlos Eugenio Marcondes de Moura, Companhia das Letras, 584 págs., R$ 54,50]*, que chega agora ao Brasil.


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Desigualdade, o fracasso da esquerda


No Brasil, os mais ricos recebem do governo 13 vezes mais que a turma do Bolsa Família

Já deve ser insuportável para os ufanistas de plantão receber a notícia, contida em relatório da ONU, de que o Brasil é o quarto país mais desigual de uma região, a América Latina, que é a mais desigual do mundo. O Brasil só é menos desigual que dois Estados semifalidos, Guatemala e Honduras, e que a Colômbia, em virtual guerra civil faz mais de meio século. Tenho, no entanto, um adendo triste para os ufanistas: é quase certo que não houve, ao contrário do que diz a ONU, uma redução na desigualdade brasileira. Explico: o único metro usado para medir a desigualdade chama-se índice de Gini, no qual o zero indica perfeita igualdade e 1 é o cúmulo da desigualdade. O Brasil de fato melhorou, de 1999 a 2009: seu índice passou de 0,52 para 0,47. Acontece que o índice mede apenas a diferença entre salários. Não consegue captar a desigualdade mais obscena que é entre o rendimento do capital e o do trabalho.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O 'Maquiavel do pacifismo'

Um ditador nunca é tão invencível quanto ele quer que você creia que ele é 

Há algo em comum entre os líderes das mais recentes revoltas: todos cultuam Gene Sharp. O autor de Como começar uma revolução? e outros 20 livros traduzidos em mais de 30 idiomas com receitas didáticas para derrubar ditaduras sem pegar em armas esteve em Oslo na semana passada. Durante três dias, Gene Sharp (à esquerda) debateu com líderes de movimentos de protesto de 26 países, entre eles sírios, egípcios e nepaleses que vêm enfrentando repressão brutal, prisão e morte por reivindicar mudanças nas muitas primaveras espalhadas hoje pelo globo – algumas apoteóticas e muito midiatizadas, como a do Egito, outras lentas e de sucesso incerto, como a do Zimbábue. O filósofo e professor emérito de Ciência Política da Universidade de Massachusetts Dartmouth, cotado mais de uma vez para o Prêmio Nobel da Paz e apontado como um dos inspiradores da revolução egípcia, tem hoje 84 anos, mas a idade não o impede de viajar o mundo debatendo ideias, mesmo em países hostis às suas publicações.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Transtorno e desordens

O problema é quando decidem qual é a nossa maluquice e nos forçam a uma "normalidade"

De uns tempos para cá, é cada vez mais forte a tendência a não se ver o indivíduo como responsável pelos próprios atos. No terreno da ciência social esquerdoide, o sujeito é assaltante porque lhe faltaram oportunidades, não teve educação, vive numa sociedade consumista, foi vítima de bullying e mais quantos indicadores se concebam, em pesquisas cujos resultados são definidos pela própria formulação e, muitas vezes, não passam de manipulações pseudoestatísticas, destituídas de base sólida. Enxergam-se relações de causa e efeito inexistentes, que resistem até mesmo à óbvia verdade de que a ampla maioria dos que enfrentaram e enfrentam essas situações não é de delinquentes. No terreno da psicanálise de boteco, o sujeito surra mulher e filhos porque foi também surrado, principalmente pela mãe. Ou - pois a psicanálise de boteco tem o condão de adaptar suas explicações e a causa que, num exemplo, surte determinado efeito em outro surte efeito contrário - porque não foi surrado e nem sequer advertido e, assim negligenciado pela mãe, nutre amor e ódio pela figura materna, na qual desconta seus recalques baixando a porrada na santa mãe de seus filhos, os quais também apanham porque dividem as atenções da dita figura materna.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Pena de morte

Os rigores da lei cairiam exclusivamente sobre os mais pobres. Não é assim até hoje?

Não me sai da cabeça a imagem dos iranianos enforcados em guindastes, que a Folha publicou na "Primeira Página" duas semanas atrás. Tenho certeza de que se houvesse um plebiscito, a pena de morte seria implantada também no Brasil. Para a maioria dos eleitores, bandido que tira a vida de um ser humano merece o mesmo destino da vítima, sem qualquer comiseração. Os mais radicais incluem nessa categoria os traficantes e os que assaltam à mão armada. A lei do olho por olho é a saída mágica que a população encontra para acabar com a violência que nos assusta nas ruas e nos aprisiona dentro de casa. É justo manter a sociedade refém de uma minoria? Para que os cidadãos ordeiros possam viver em paz, não seria mais fácil eliminar fisicamente esses poucos que nos infernizam? A morte deles não serviria de exemplo para os que estão em início de carreira? De fato, há situações em que a pena de morte tem grande poder intimidatório. É o caso da execução de desertores em tempo de guerra, do linchamento em pequenas comunidades ou dos assassinatos brutais que acontecem nas cadeias, condições extrajudiciais em que o direito de defesa sequer entra em cogitação.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Elites estão rompendo o pacto social



Com argumentos inconsistentes e sem visão de futuro, Ocidente constroi um Estado de Mal-estar.

O que estamos vivendo em todo o mundo, no contexto da crise financeira, é uma transição – do Estado de Bem-estar social para um Estado de Mal-estar. Na convenção do Partido Republicano, nos Estados Unidos, realizada em Tampa, semana passada, aclamou-se um programa baseado na proposta de Orçamento apresentada por Paul Ryan, o líder mais carismático da direita. Implica cortar serviços públicos; reduzir maciçamente os impostos pagos pelos endinheirados e grandes empresas; manter os que são exigidos dos setores médios e baixos. Alega-se que, assim, será possível reduzir o déficit orçamentário (principalmente através dos cortes de despesas) e estimular o investimento (porque os ricos supostamente investiriam com o dinheiro disponível, o que contraria a evidência empírica dos últimos vinte anos…).

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Temos partidos demais?


Partidos pequenos não são piores que os grandes

Tudo depende, na resposta a esta pergunta, do que chamemos de "demais". Nossos partidos são numerosos, sim. Acabo de descobrir que há um partido de número 10. Estranhei, porque os números surgiram quando foi restabelecido o sistema multipartidário, no final da ditadura. Os cinco partidos então criados receberam números que, obviamente, iam de 1 a 5. Mais tarde, com a democracia, foi facilitada a criação de novas agremiações, e os números de 1 a 9 (porque, claro, nenhum partido quereria ser o zero...) se mostraram insuficientes para acolhê-los. A solução foi começar em 11. O antigo partido "1", que era o da ditadura, se tornou o 11, e assim por diante. Portanto, não tínhamos o dez. Agora, ele surgiu. Temos também o 65. Não sei, na verdade, quantos partidos existem no Brasil, no dia de hoje. Mas isso é ruim? É comum se denunciar a proliferação de siglas de aluguel. Mistura-se, na mesma expressão, o grande número - a "proliferação" - e a indecência, a imoralidade, o "aluguel". Porém, que relação há nisso? Nenhuma. 

sábado, 13 de outubro de 2012

Kit evangélico

Silas Malafaia, defende com o espírito de cruzados medievais a candidatura de Serra


A imagem do candidato tucano José Serra já foi mais associada a valores liberais, cultivados por grupos tanto à esquerda quanto à direita do espectro partidário. Tais valores informam que preferências sexuais e religiosas são assunto da órbita privada; ao homem público caberia manter equidistância de lobbies que, na defesa legítima de seus interesses, acabam por conferir relevo exagerado a temas da esfera íntima. Na corrida presidencial de 2010, ao explorar contradição da petista Dilma Rousseff -que se dizia favorável à descriminalização do aborto, mas recuou na campanha de maneira oportunista-, Serra já havia selado uma aliança com o conservadorismo evangélico. Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta.